A saúde da criança como projeto educativo
Aldo FortunatiO currículo de Aldo Fortunati é extenso. Especialista no planejamento de serviços educativos para a infância, ele supervisionou muitas realizações experimentais e dirigiu numerosos projetos de formação em várias realidades toscanas e italianas. Interessado nos problemas de gestão dos serviços e de avaliação da qualidade, também coordenou, sob o comando do governo italiano, alguns projetos de pesquisa que acompanhavam o desenvolvimento de políticas nacionais do setor. Autor do livro A educação infantil como projeto da comunidade, publicado no Brasil pela Artmed, no qual apresenta a abordagem de educação infantil de San Miniato, cidade italiana da região da Toscana, atualmente ele se divide entre as atividades de presidente do Centro de Pesquisa e Documentação sobre a Infância La Bottega di Geppetto, da Prefeitura de San Miniato (www.bottegadigeppetto.it), vice-presidente do Gruppo Nazionale Nidi Infanzia e diretor da área de documentação, pesquisa e formação do Istituto Degli Innocenti de Florença. E ainda encontra tempo para desenhar uma linha de mobiliário para crianças, produzida pela empresa Spazio Arredo. Em meio a essa atribulada agenda, Aldo Fortunati concedeu uma entrevista à Pátio Educação Infantil, feita por e-mail, da qual você lerá a seguir os principais trechos.
A experiência de San Miniato na educação infantil, que completou 30 anos recentemente, baseia-se em um forte compromisso público. Como esse trabalho envolve as crianças, suas famílias e a comunidade em geral?
Assistimos a muitas experiências positivas de atenção às crianças pequenas que têm como objetivo ajudar as famílias a educar as novas gerações, inclusive mediante o suporte de serviços educacionais que pretendem cultivar as potencialidades e as competências dos pequenos. É muito importante que, em todos esses casos, o principal objetivo sejam as crianças, reconhecidas como pessoas e cidadãs, e não só como filhas de pais que trabalham. Outro elemento que faz a diferença é desenvolver essa política reconhecendo o valor da educação e da formação das novas gerações como um problema "público", e não como experiência "privada". A educação das crianças é uma questão de interesse público; por isso, é a política pública que deve estar presente quando se pensa em garantir oportunidades e recursos para o desenvolvimento dos serviços de educação e cuidado das crianças.
Esse trabalho foi reconhecido internacionalmente, tornando-se referência quando se fala em educação infantil de qualidade. Que fatores o senhor aponta como os principais para tal sucesso?
São muitos os fatores que determinam a qualidade e o sucesso de uma política, e é sempre um erro pensar que existem elementos que possam determinar, por si sós, um resultado positivo. Lembro que, alguns anos atrás, o grande Jerome Bruner, ao comentar as experiências de educação infantil em muitas realidades locais italianas, disse que para aumentar a qualidade dois fatores são fundamentais: ideias fortes desenvolvidas em torno do reconhecimento das potencialidades infantis e uma comunidade que assuma a responsabilidade e o compromisso concreto de colocá-las em prática. Desenvolvendo a ideia delineada por Bruner, eu poderia dizer que é preciso, antes de mais nada, reconhecer a identidade das crianças como pessoas protagonistas de seu próprio crescimento e envolvidas ativamente nos processos de aprendizagem que o acompanham. É preciso, em seguida, fixar-se na qualidade das relações entre serviço educacional e famílias, no investimento contínuo, no compartilhamento e na divisão de experiências como motor de reflexão e renovação. Por fim, é preciso que a política expresse sensibilidade e atenção por meio de um esforço contínuo no tempo, esse ingrediente fundamental para o crescimento e a educação.
Como o senhor vê a relação entre a
saúde das crianças e a sua educação?
A questão da saúde das crianças está estreitamente ligada a uma boa política educativa. De modo geral, a saúde da criança é um pressuposto da ideia de projeto educativo. Cada intervenção útil à preservação da saúde da mãe durante a gravidez é essencial para que a criança também inicie sua existência de forma positiva. Sendo assim, a assistência às mães, a promoção do aleitamento materno e todas as formas de atenção às famílias em situação de risco social, por exemplo, são importantes pressupostos de uma boa política educativa. Em termos complementares, sabemos que a possibilidade de acompanhar o crescimento e a experiência de uma criança pequena em um contexto de encontro e compartilhamento cotidiano com outras crianças é relevante para oferecer a possibilidade de reconhecer precocemente eventuais sinais de dificuldades, tanto físicas quanto psicológicas, dando a possibilidade de consultar um médico ou outro especialista a tempo, caso haja necessidade.
O que significa trabalhar pela saúde física e mental das crianças nas instituições educativas? Qual a relação disso com a intervenção em favor de suas famílias?
Também nesse caso - ou seja, nas situações em que os serviços educativos acolhem crianças que já apresentam um problema físico ou psicológico - devemos evidenciar que realmente existem muitas potencialidades a ser exploradas. A primeira e mais importante é que perceber como sendo natural a relação entre as diversidades em contextos de experiência compartilhada é crucial para que todos se sintam parte de uma comunidade em uma perspectiva, digamos, de efetiva inclusão social.
O senhor acredita que a inclusão seja o melhor meio de organização escolar?
Acredito que a perspectiva correta seja buscar e manter juntas as diversidades. Ainda que não seja simples e que às vezes a percepção da diversidade seja vivida como um perigo para a própria identidade, as crianças podem ensinar que a atitude mais natural em relação à diversidade é a curiosidade, e não a atitude de demonstrar medo ou de fingir que não viu. Isso também significa, obviamente, inserir os serviços educativos em uma rede de serviços nos quais os aspectos da formação possam relacionar-se com os da saúde e da intervenção social, valorizando a potencialidade dessa rede de sinergias capazes de se manterem próximas de quem precisa, acompanhando e dando suporte à sua trajetória de vida.
Cuidado e educação são inseparáveis na prática do trabalho com as crianças. Em que medida esse entrelaçamento está presente na educação infantil de San Miniato?
Pensar nos serviços educativos para a primeira infância como elementos de uma rede de serviços oferecidos às crianças e a suas famílias significa, também em San Miniato, construir um compromisso público que alia a educação ao cuidado com o bem-estar dos cidadãos, começando pelos primeiros anos de vida. Porém, essa relação entre educação e cuidado não é uma questão que diz respeito somente à primeira infância. Eu ficaria muito feliz se constatasse que, inclusive na educação infantil (de 3 a 6 anos) e nos primeiros anos do ensino fundamental (de 6 a 10 anos), houvesse uma maior capacidade de integrar a perspectiva dos programas educativos e da didática a uma maior atenção ao cuidado com as relações interpessoais, tão importantes para engendrar pessoas cuja autoconfiança alie-se à capacidade de estabelecer uma relação positiva com os outros.
O cuidado com a organização dos espaços físicos é uma das especificidades do currículo desenvolvido não só nas escolas de educação formal, mas também em outros espaços da comunidade. Como isso se relaciona ao modo como as crianças aprendem?
Eu substituiria a palavra aprendem por apreendem. "Aprender" dá a ideia de uma criança "recheada" pelo saber do adulto, enquanto "apreender" nos faz pensar - e é assim que eu acredito que deva ser - em uma criança que constrói o próprio saber. De fato, as crianças são exploradoras ativas do mundo que as cerca, mesmo antes de conseguirem mover-se autonomamente por ele. Além disso, a ação no mundo e sobre o mundo é o que constitui o trilho-mestre para o desenvolvimento da inteligência. Quando pensamos nos móveis, nos materiais, na acessibilidade direta às oportunidades, na possibilidade de escolher, estamos fazendo uma escolha muito importante, na qual o espaço também se torna um elemento plenamente relacional, tanto quanto o são as crianças e os adultos presentes à situação.
Quais são as vantagens de se investir na valorização de contextos menos formais de experiências em favor das crianças?
Há alguns anos, falamos de sistema integrado dos serviços educacionais para a infância e, com isso, aludimos ao fato de que o sistema de oferta é composto de elementos diversificados, mais ou menos estruturados em propostas e módulos organizativos. Esse processo iniciou em San Miniato há cerca de 20 anos, e o objetivo era oferecer uma oportunidade de experiência social, brincadeira e aprendizagem também às crianças que não frequentavam a creche. Além disso, tínhamos em mente conhecer os casais quando ainda estavam esperando o bebê. As situações que afloraram têm uma importante relação com o sistema de creches: na realidade, foram esses ambientes que acolheram os grupos de crianças e pais. Trata-se, em todo caso, de uma experiência mais "leve" - uma ou duas tardes na semana durante cerca de três horas.
Qual o significado dessas experiências e seus resultados?
Para as crianças, isso significa sair de casa e encontrar outras crianças sob a observação de um educador. Para os pais, significa a troca de experiências com outros pais, falando sobre elas na presença de um educador, o qual pode ajudar a valorizar e a melhorar as experiências individuais. Nos últimos anos, começamos a experimentar algumas situações de autêntica autogestão por parte das famílias, o que se tornou possível graças ao fato de serem acolhidas pela estrutura dos serviços para a infância e mantidas em relação constante com as outras experiências em curso.
O senhor usa a expressão "experiência ecológica" quando se refere ao trabalho desenvolvido em San Miniato como um modo de leitura e interpretação dos fenômenos interessantes dessa experiência. Qual o significado desse conceito?
Recebo muitas vezes o seguinte questionamento: "Uma criança que frequenta um serviço educacional para a infância cresce melhor do que outra que não vivencia essa experiência? Quais são as diferenças entre as duas?". Sempre respondo que não me parecem perguntas pertinentes e que não se pode dizer - sobre uma única pessoa - se uma experiência realmente importante como a de frequentar uma creche produza alguma vantagem ou não. Há muitos outros elementos em jogo, e o sucesso de uma política educativa não depende de fatores analisados individualmente. Isso não significa que não seja possível mensurar os efeitos gerais na população entendida como comunidade. Desse ponto de vista, comparar contextos diferentes em relação a alguns indicadores pode representar o ponto de partida para uma avaliação ecológica comparativa, em que cada caso é também, se assim se quiser chamar, um tipo de "experiência ecológica". l
Assistimos a muitas experiências positivas de atenção às crianças pequenas que têm como objetivo ajudar as famílias a educar as novas gerações, inclusive mediante o suporte de serviços educacionais que pretendem cultivar as potencialidades e as competências dos pequenos. É muito importante que, em todos esses casos, o principal objetivo sejam as crianças, reconhecidas como pessoas e cidadãs, e não só como filhas de pais que trabalham. Outro elemento que faz a diferença é desenvolver essa política reconhecendo o valor da educação e da formação das novas gerações como um problema "público", e não como experiência "privada". A educação das crianças é uma questão de interesse público; por isso, é a política pública que deve estar presente quando se pensa em garantir oportunidades e recursos para o desenvolvimento dos serviços de educação e cuidado das crianças.
Esse trabalho foi reconhecido internacionalmente, tornando-se referência quando se fala em educação infantil de qualidade. Que fatores o senhor aponta como os principais para tal sucesso?
São muitos os fatores que determinam a qualidade e o sucesso de uma política, e é sempre um erro pensar que existem elementos que possam determinar, por si sós, um resultado positivo. Lembro que, alguns anos atrás, o grande Jerome Bruner, ao comentar as experiências de educação infantil em muitas realidades locais italianas, disse que para aumentar a qualidade dois fatores são fundamentais: ideias fortes desenvolvidas em torno do reconhecimento das potencialidades infantis e uma comunidade que assuma a responsabilidade e o compromisso concreto de colocá-las em prática. Desenvolvendo a ideia delineada por Bruner, eu poderia dizer que é preciso, antes de mais nada, reconhecer a identidade das crianças como pessoas protagonistas de seu próprio crescimento e envolvidas ativamente nos processos de aprendizagem que o acompanham. É preciso, em seguida, fixar-se na qualidade das relações entre serviço educacional e famílias, no investimento contínuo, no compartilhamento e na divisão de experiências como motor de reflexão e renovação. Por fim, é preciso que a política expresse sensibilidade e atenção por meio de um esforço contínuo no tempo, esse ingrediente fundamental para o crescimento e a educação.
Como o senhor vê a relação entre a
saúde das crianças e a sua educação?
A questão da saúde das crianças está estreitamente ligada a uma boa política educativa. De modo geral, a saúde da criança é um pressuposto da ideia de projeto educativo. Cada intervenção útil à preservação da saúde da mãe durante a gravidez é essencial para que a criança também inicie sua existência de forma positiva. Sendo assim, a assistência às mães, a promoção do aleitamento materno e todas as formas de atenção às famílias em situação de risco social, por exemplo, são importantes pressupostos de uma boa política educativa. Em termos complementares, sabemos que a possibilidade de acompanhar o crescimento e a experiência de uma criança pequena em um contexto de encontro e compartilhamento cotidiano com outras crianças é relevante para oferecer a possibilidade de reconhecer precocemente eventuais sinais de dificuldades, tanto físicas quanto psicológicas, dando a possibilidade de consultar um médico ou outro especialista a tempo, caso haja necessidade.
O que significa trabalhar pela saúde física e mental das crianças nas instituições educativas? Qual a relação disso com a intervenção em favor de suas famílias?
Também nesse caso - ou seja, nas situações em que os serviços educativos acolhem crianças que já apresentam um problema físico ou psicológico - devemos evidenciar que realmente existem muitas potencialidades a ser exploradas. A primeira e mais importante é que perceber como sendo natural a relação entre as diversidades em contextos de experiência compartilhada é crucial para que todos se sintam parte de uma comunidade em uma perspectiva, digamos, de efetiva inclusão social.
O senhor acredita que a inclusão seja o melhor meio de organização escolar?
Acredito que a perspectiva correta seja buscar e manter juntas as diversidades. Ainda que não seja simples e que às vezes a percepção da diversidade seja vivida como um perigo para a própria identidade, as crianças podem ensinar que a atitude mais natural em relação à diversidade é a curiosidade, e não a atitude de demonstrar medo ou de fingir que não viu. Isso também significa, obviamente, inserir os serviços educativos em uma rede de serviços nos quais os aspectos da formação possam relacionar-se com os da saúde e da intervenção social, valorizando a potencialidade dessa rede de sinergias capazes de se manterem próximas de quem precisa, acompanhando e dando suporte à sua trajetória de vida.
Cuidado e educação são inseparáveis na prática do trabalho com as crianças. Em que medida esse entrelaçamento está presente na educação infantil de San Miniato?
Pensar nos serviços educativos para a primeira infância como elementos de uma rede de serviços oferecidos às crianças e a suas famílias significa, também em San Miniato, construir um compromisso público que alia a educação ao cuidado com o bem-estar dos cidadãos, começando pelos primeiros anos de vida. Porém, essa relação entre educação e cuidado não é uma questão que diz respeito somente à primeira infância. Eu ficaria muito feliz se constatasse que, inclusive na educação infantil (de 3 a 6 anos) e nos primeiros anos do ensino fundamental (de 6 a 10 anos), houvesse uma maior capacidade de integrar a perspectiva dos programas educativos e da didática a uma maior atenção ao cuidado com as relações interpessoais, tão importantes para engendrar pessoas cuja autoconfiança alie-se à capacidade de estabelecer uma relação positiva com os outros.
O cuidado com a organização dos espaços físicos é uma das especificidades do currículo desenvolvido não só nas escolas de educação formal, mas também em outros espaços da comunidade. Como isso se relaciona ao modo como as crianças aprendem?
Eu substituiria a palavra aprendem por apreendem. "Aprender" dá a ideia de uma criança "recheada" pelo saber do adulto, enquanto "apreender" nos faz pensar - e é assim que eu acredito que deva ser - em uma criança que constrói o próprio saber. De fato, as crianças são exploradoras ativas do mundo que as cerca, mesmo antes de conseguirem mover-se autonomamente por ele. Além disso, a ação no mundo e sobre o mundo é o que constitui o trilho-mestre para o desenvolvimento da inteligência. Quando pensamos nos móveis, nos materiais, na acessibilidade direta às oportunidades, na possibilidade de escolher, estamos fazendo uma escolha muito importante, na qual o espaço também se torna um elemento plenamente relacional, tanto quanto o são as crianças e os adultos presentes à situação.
Quais são as vantagens de se investir na valorização de contextos menos formais de experiências em favor das crianças?
Há alguns anos, falamos de sistema integrado dos serviços educacionais para a infância e, com isso, aludimos ao fato de que o sistema de oferta é composto de elementos diversificados, mais ou menos estruturados em propostas e módulos organizativos. Esse processo iniciou em San Miniato há cerca de 20 anos, e o objetivo era oferecer uma oportunidade de experiência social, brincadeira e aprendizagem também às crianças que não frequentavam a creche. Além disso, tínhamos em mente conhecer os casais quando ainda estavam esperando o bebê. As situações que afloraram têm uma importante relação com o sistema de creches: na realidade, foram esses ambientes que acolheram os grupos de crianças e pais. Trata-se, em todo caso, de uma experiência mais "leve" - uma ou duas tardes na semana durante cerca de três horas.
Qual o significado dessas experiências e seus resultados?
Para as crianças, isso significa sair de casa e encontrar outras crianças sob a observação de um educador. Para os pais, significa a troca de experiências com outros pais, falando sobre elas na presença de um educador, o qual pode ajudar a valorizar e a melhorar as experiências individuais. Nos últimos anos, começamos a experimentar algumas situações de autêntica autogestão por parte das famílias, o que se tornou possível graças ao fato de serem acolhidas pela estrutura dos serviços para a infância e mantidas em relação constante com as outras experiências em curso.
O senhor usa a expressão "experiência ecológica" quando se refere ao trabalho desenvolvido em San Miniato como um modo de leitura e interpretação dos fenômenos interessantes dessa experiência. Qual o significado desse conceito?
Recebo muitas vezes o seguinte questionamento: "Uma criança que frequenta um serviço educacional para a infância cresce melhor do que outra que não vivencia essa experiência? Quais são as diferenças entre as duas?". Sempre respondo que não me parecem perguntas pertinentes e que não se pode dizer - sobre uma única pessoa - se uma experiência realmente importante como a de frequentar uma creche produza alguma vantagem ou não. Há muitos outros elementos em jogo, e o sucesso de uma política educativa não depende de fatores analisados individualmente. Isso não significa que não seja possível mensurar os efeitos gerais na população entendida como comunidade. Desse ponto de vista, comparar contextos diferentes em relação a alguns indicadores pode representar o ponto de partida para uma avaliação ecológica comparativa, em que cada caso é também, se assim se quiser chamar, um tipo de "experiência ecológica". l
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